MPPR atua na defesa dos direitos da população em situação de rua

MPPR atua na defesa dos direitos da população em situação de rua

“Naquele dia, depois que escureceu, quando eu deitei na cama e não ouvi o barulho do ‘ligeirão’ e das garrafas sendo chutadas na rua e percebi que ninguém ia puxar minha coberta no frio durante a noite, eu comecei a chorar, sem parar, feito uma criança”. O relato, emocionado, é de Anderson, que tem 45 anos e após 30 vivendo nas ruas de Curitiba, está há dois meses morando em um apartamento na capital. A lembrança é da primeira noite neste seu novo endereço, fora das ruas.

As dificuldades enfrentadas por ele são compartilhadas por milhares de pessoas que hoje vivem em situação de rua em todo o país – realidade agravada com o início da pandemia de Covid-19. Por ocasião do Dia Nacional de Luta da População em situação de Rua, celebrado no dia 19 de agosto, o Ministério Público do Paraná ressalta a gravidade dessa situação e a necessidade da atuação dos poderes públicos no sentido de assegurar os direitos constitucionalmente garantidos a todas essas pessoas. “O Ministério Público busca, na sua atuação cotidiana, estar sempre ao lado dos mais oprimidos, daqueles que, historicamente, são alijados do exercício dos direitos elementares da cidadania. Nesse contexto, a população em situação de rua é um dos grupos vulneráveis que mais necessitam da atenção da nossa instituição, a fim de que lhes sejam asseguradas, pelo poder público, as condições necessárias para uma vida digna”, destacou o procurador-geral de Justiça Gilberto Giacoia.

Trajetória – Anderson tinha 15 anos quando passou a viver nas ruas depois que a mãe lhe disse que não teria mais condições de sustentá-lo (ela iniciava um novo casamento e tinha outras duas filhas menores). “No começo eu só chorei, não sabia o que fazer. E depois, quando você está na rua, você vive em bando, passa a viver como lobo, para se proteger mesmo”, recorda ele, que também fala dos inúmeros desafios dessa realidade. “Eu não queria beber, nem usar drogas, mas muitas vezes você acaba entrando nessa para fazer parte de algum grupo”, lembra. No entanto, mesmo nas ruas, Anderson não deixou de buscar uma vida melhor. A partir de projetos sociais, fez cursos técnicos de garçom, auxiliar de hotelaria, panificação e confeitaria. “Mas quando pedia emprego, me pediam comprovante de residência. Quando descobriam que o meu contato era do abrigo da FAS, desistiam de me contratar”, recorda.

Sempre em busca de uma ocupação, há nove meses Anderson começou a trabalhar como voluntário em uma cozinha de projeto social que fornece alimentação para pessoas em situação de rua na capital – que entrega, em média, 400 marmitas por dia. A partir do seu envolvimento no trabalho e do grande interesse em retomar os estudos, ele foi convidado pela organização do projeto para morar em um dos apartamentos que a entidade mantém, financiados por colaboradores da sociedade civil. E foi nesse novo lar que Anderson viveu, há dois meses, a situação relatada no início desta matéria. Atualmente, ele cursa o ensino fundamental e tem o desejo de ingressar no ensino superior. “Quero fazer Serviço Social para poder continuar ajudando as pessoas que, como eu, querem sair das ruas, mas precisam de oportunidade”, declarou.

“Ter uma moradia resgatou minha própria dignidade, me fez voltar a acreditar em mim. Foi mais que um teto, me fez sentir que eu não era um lixo como imaginava ser e que não iria morrer abandonado na rua, como muitos que eu vi”.

Anderson Contador, que viveu em situação de rua dos 15 aos 45 anos.

 

Primeiro direito – A realidade de Anderson, assim como a de milhares de pessoas que hoje vivem em situação de rua, demonstra a importância da moradia como uma conquista fundamental para o alcance de outros direitos. Nesse sentido, é necessário que as políticas públicas voltadas a essa população deixem de ser amparadas somente em soluções emergenciais. A avaliação é do coordenador nacional do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Leonildo José Monteiro Filho. “Há uma insistência de grande parte dos gestores públicos em um modelo de política que já se mostrou ineficiente e fracassada, que são aquelas baseadas quase que exclusivamente na oferta de pouso em casas de passagens ou albergues, soluções que somente deveriam ser adotadas em situações emergenciais, já que não atendem as necessidades básicas”, afirma. Para Leonildo, a moradia é o ponto de partida para a conquista de diversos outros direitos, como trabalho, educação, saúde e assistência social. “Se a rede de proteção estiver funcionando corretamente, a pessoa com um endereço próprio tem plenas condições de acessar essa porta de saída e conseguir, definitivamente, deixar a situação de rua”, acrescenta.

Dados oficiais – De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre fevereiro e março do ano passado, início da pandemia de Covid-19, a estimativa era de cerca de 222 mil pessoas vivendo em situação de rua em todo o país – um acréscimo de 140% em relação ao ano de 2012. No Paraná, levantamento da Secretaria Estadual de Família, Justiça e Trabalho mostra que há no Cadastro Único do Governo Federal – base de dados nacional sobre pessoas em situação de vulnerabilidade e que podem ser atendidas por políticas sociais governamentais – 9.653 famílias em situação de rua no Paraná. Ainda que exista subnotificação, conforme alertam pesquisadores da área, na medida em que nem todas as pessoas abordadas pelas equipes de assistência social chegam a ser cadastradas ou mesmo pelas dificuldades em se fazer tal mapeamento, os números também apontam um aumento, nos últimos quatro anos, da população nessa condição no estado – em 2018 eram 6.463 famílias.

Perfil e estigmas – O agravamento da situação econômica no país desde o início da crise sanitária, que afetou mais gravemente as famílias que já viviam em situação de vulnerabilidade, como vendedores ambulantes e trabalhadores informais, ainda mais impactados com a redução de empregos e oportunidades de renda, fez com o que o perfil de muitas pessoas que hoje estão nas ruas seja ainda mais heterogêneo do que já era. “São pessoas, muitas vezes famílias inteiras, que se viram sem condições de manter em dia as contas de aluguel e de alimentação, que não pararam de subir, entre outros gastos, e viram na rua sua única alternativa. Então dizer que a maioria das pessoas que vivem na rua são usuários de álcool ou drogas não é verdade e as pesquisas já apontaram isso”, pondera Leonildo Monteiro que ainda alerta: “Muitas pessoas que estão nas ruas hoje chegaram há pouco tempo, por isso é importante que o poder público aja rapidamente para que essa situação transitória e emergencial não se torne permanente”.

“A maior violação de direitos humanos é estar na rua, não ter uma moradia, estar com o corpo frágil, exposto à chuva, ao sol, à violência gratuita de muitos que não querem essa população visível nos centros das cidades”.

Leonildo José Monteiro Filho

Coordenador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR)

Prioridade na atuação institucional – Considerando seu dever constitucional de defender os direitos da sociedade, o Ministério Público do Paraná tem na população em situação de rua um de seus públicos prioritários de atuação. “A atuação do Ministério Público deve estar sempre voltada aos segmentos mais vulneráveis de nossa sociedade e, nesse sentido, a população em situação de rua, que vive em total afastamento do exercício de direitos elementares à própria dignidade da pessoa humana, deve receber atenção especial”, afirma o procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos.

O engajamento da população em iniciativas que buscam melhorar a situação das pessoas que estão atualmente na rua – como é o exemplo mencionado no caso do Anderson, que abriu essa matéria – é também destacado pelo procurador de Justiça. “Especialmente neste período crítico que vivemos, ao mesmo tempo em que tantos estão desprovidos de seu sustento e vivem à margem dos benefícios produzidos pela sociedade, vemos a força da solidariedade e da mobilização dos organismos populares fazendo a diferença na vida de milhares de famílias em todo o país”. O procurador pondera, entretanto, que soluções mais estruturadas e definitivas dependem dos poderes públicos locais. “Somente com o Estado cumprindo o seu dever institucional e indelegável de asseguramento dos direitos humanos, notadamente, no caso, de moradia digna, iremos avançar na superação de tão grave questão social”.

Em todas as comarcas do estado, o MPPR atua para a efetivação das políticas públicas à população em situação de rua. Nessa perspectiva, as Promotorias de Justiça trabalham na fiscalização do funcionamento dos serviços ofertados pelas redes de proteção social, de acordo com o previsto pela Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto Federal 7.053/2009) – normativa que determina a adoção, pelo poder público, de ações intersetoriais que envolvam políticas de saúde, trabalho, educação, moradia, assistência social, entre outras.

Núcleo Especializado – Para acompanhar e subsidiar a atuação dos promotores de Justiça em todo o estado, e considerando a situação de extrema vulnerabilidade desse segmento, o Ministério Público mantém, desde 2015, unidade específica para tratar do tema, o Núcleo de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua, vinculado ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos. “O trabalho das Promotorias de Justiça na defesa e promoção dos direitos da população em situação de rua se mostra essencial, já que exigindo-se políticas públicas efetivas e eficientes, avançamos na concretização do direito fundamental da dignidade da pessoa humana, bem como seguimos no cumprimento dos objetivos da República, em especial na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na erradicação da pobreza e da marginalização e na redução das desigualdades”, destacou a promotora de Justiça Ana Carolina Pinto Franceschi, que coordena o Núcleo especializado no Centro de Apoio. Ela reforça ainda a importância dos órgãos públicos promoverem a escuta qualificada da população em situação de rua e das organizações sociais que trabalham na área, no sentido de atender efetivamente suas necessidades e demandas. “Isso permite aprimorar, de forma significativa, nossa atuação institucional”, afirmou.

Contato com o MP – Situações de violação aos direitos da população em situação de rua podem ser levadas ao conhecimento do Ministério Público em todo o estado. Confira os atuais canais de atendimento do MPPR.

MP no Rádio – Acesse aqui a entrevista do promotor de Justiça Thimotie Aragon Heemann e do Coordenador Nacional do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Leonildo José Monteiro Filho, a propósito do Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua.

Fonte: MPPR

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